O jornal
Tribuna do Norte, neste domingo 15/07 publicou matéria com o título: "Corrupção
nas prefeituras é pior que a seca do Nordeste, diz membro de ONG”, na qual
mostra uma entrevista do Márcio Moura - agrônomo da
ONG Caatinga. Vale a pena ler. Veja a matéria na íntegra :
'Corrupção nas
prefeituras é pior que a seca Do Nordeste'
[Entrevista / Márcio Moura - agrônomo da ONG Caatinga]
Fortaleza (Adital) - O sertanejo sabe conviver com a seca e, diante de um longo
período de estiagem, como o que se abate pelo semiárido brasileiro, faltam
investimentos governamentais para garantir qualidade de vida aos agricultores.
Diante desse cenário, o lema do governo de combater a seca "é
retrógrado", enfatiza o agrônomo Márcio Moura à IHU On-Line. Segundo ele,
a "seca é cíclica, e devemos aprender a conviver com as adversidades de um
fenômeno que é natural".
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail, Moura critica a transposição do
Rio São Francisco, e frisa que se trata de "mais uma ilusão do governo,
que acredita que se combate a seca com superestruturas, em vez de investir nos
sistemas familiares, que já possuem uma dinâmica produtiva, a qual está
relacionada com a segurança alimentar, com a comercialização e com integração
com o meio ambiente". Para ele, a cultura assistencialista presente no
semiárido dificulta o desenvolvimento da região. "As pessoas vendem o seu
voto por uma carga d'água de carro-pipa, remédios, cimento. Por causa desse
sistema, são eleitas pessoas com pouca capacidade de gerir em consenso com a
sociedade, mas com muita capacidade de enriquecer ilicitamente", assinala.
Os programas governamentais, como Bolsa Família, Garantia Safra, Bolsa
Estiagem, complementa, auxiliam na compra de alimentos, mas "não resolvem
o problema, apenas transferem para a próxima geração, pois não são políticas
concretas, que consigam que esses excluídos possam ter acesso aos direitos
humanos, econômicos, sociais, culturais. Na verdade, é uma maquiagem".
Graduado em Agronomia pela Faculdade de Ciências Agrárias de Araripina -
Faciagra, Márcio Moura é agrônomo da ONG Caatinga e coordenador do Programa de
Políticas Públicas. Confira a entrevista.
Segundo notícias da imprensa, essa é a maior seca do semiárido dos últimos
50 anos. Como os sertanejos enfrentam esses períodos?
A região semiárida brasileira secularmente vive ainda o dilema da
"Indústria da Seca". As populações já diagnosticaram previamente
quais as necessidades em relação às estruturas hídricas, para garantir água
para o consumo das famílias, dos plantios e dos animais. São necessários
investimentos dos governos federal e estadual assim como aplicação dos recursos
por parte dos municípios, para que se construam açudes, barreiros, barragens,
perfuração de poços, sistemas adutores, a fim de que os agrossistemas possam
ter sustentabilidade no período de estiagem.
Por outro lado, a sociedade civil organizada, através da Articulação no
Semiárido Brasileiro - ASA (entidade criada em julho de 1999 como fórum de
organizações que atuam em prol do desenvolvimento social, econômico, político e
cultural do semiárido brasileiro), congrega atualmente cerca de 750 entidades
dos mais diversos segmentos envolvidos com essa questão. Nela encontram-se
organizações como as igrejas católica e evangélica, algumas ONGs, associações
comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais. Até este momento
a ASA já viabilizou a construção de mais de 300 mil cisternas de placas de
16.000 litros para o consumo humano, o que vem diferenciando em relação à água
de qualidade para as famílias agricultoras. Esse vem sendo um grande apoio para
as famílias agricultoras que têm enfrentado a seca.
Para enfrentar os períodos relacionados à seca, muitos agricultores/as investem
na cultura da estocagem, ou seja, guardam água e alimento para o consumo
familiar. Através de técnicas e práticas como a silagem e fenação, asseguram o
alimento para os animais e usam água do barreiro, poços e açudes para
sustentarem o rebanho. Os que têm menos condições ainda vendem os animais aos
atravessadores no período mais difícil, que é de junho a janeiro, e esperam
chover no próximo janeiro para readquirir os animais, quando finalmente se iniciam
as chuvas no sertão.
Como o semiárido aparece na agenda governamental? O governo brasileiro
compreende quais são as necessidades e prioridades para a região?
O governo de Dilma é muito tecnicista, é mais preocupado com as metas, dialoga
pouco com a sociedade civil organizada, tanto que está desvalorizando o
trabalho da ASA, que desenvolveu uma metodologia participativa para implementar
cisternas de placas de 16.000 e 52.000 litros, barragens subterrâneas, bombas
populares e barreiros lonados. Essas propostas deveriam ser valorizadas, pois
entendemos que a obra física deve vir agregada à construção do conhecimento
técnico com o saber das famílias. Nesse sentido, as instituições realizam
momentos de formação em agroecologia com as famílias, para que possam valorizar
o meio ambiente e desenvolver uma agricultura mais sustentável, valorizando os
saberes tradicionais.
Através do Ministro da Integração o governo federal está implementando caixas
de plástico - visando à campanha eleitoral de 2012 -, as quais são fabricadas
em São Paulo, ao dobro do custo das que são construídas de alvenaria pelas
famílias da região. Outro equívoco, ainda do governo Lula e que continua no
governo Dilma, é a transposição do rio São Francisco. O governo investiu
milhões nessa obra, mas a inviabilidade está sendo demonstrada, pois o canal
continua seco, rachando, e o ministro Fernando Bezerra Coelho continua
solicitando mais recursos para consertar o que foi iniciado. É mais uma ilusão
do governo, que acredita que se combate a seca com superestruturas em vez de
investir nos sistemas familiares, que já possuem uma dinâmica produtiva, a qual
está relacionada com a segurança alimentar, com a comercialização e com
integração com o meio ambiente. O lema do governo é retrógrado: "combater
a seca". Isso é uma ilusão, pois a seca é cíclica, e devemos aprender a
conviver com as adversidades de um fenômeno que é natural. As famílias precisam
de políticas para estruturação de seus sistemas com mais recursos hídricos,
acesso a crédito, assessoria técnica mais qualificada, saneamento básico,
educação de qualidade, enfim, é isso que a zona rural no sertão ainda precisa
para que as famílias possam viver com mais qualidade e dignidade.
Como o senhor descreve o desenvolvimento social e econômico do semiárido
brasileiro? A imagem de semiárido pobre e subdesenvolvido ainda permanece ou já
começa a fazer parte do passado?
Acredito que houve avanços sim. Hoje estamos num período de seca, mas não há
invasão a feiras livres. Existem os programas governamentais como o Bolsa
Família, Bolsa Estiagem, Garantia Safra, Programa Brasil Sem Miséria, que são
paliativos, mas acabam auxiliando na compra de alimentos. Esses são programas
que não resolvem o problema, apenas transferem para a próxima geração, pois não
são políticas concretas, que consigam que esses excluídos possam ter acesso aos
direitos humanos, econômicos, sociais, culturais. Na verdade, é uma maquiagem.
Mas não podemos generalizar, pois há o trabalho focado na agroecologia que a
ASA vem desenvolvendo, inclusive com o Ministério do Desenvolvimento Social, no
qual os agroecossistemas familiares foram estruturados, e as famílias consomem
produtos livres de agrotóxicos, garantem a segurança alimentar, e o excedente
comercializam na comunidade e na zona urbana, através das feiras
agroecológicas. O semiárido ainda é feito de contratastes.
Quais são hoje os principais impasses ao desenvolvimento do semiárido? Além
da concentração da água e a terra, que aspectos destaca?
Há uma cultura assistencialista, em que os aspectos eleitorais não são
valorizados e na qual as pessoas vendem o seu voto por carga d'água de
carro-pipa, remédios, cimento. Por causa desse sistema, são eleitas pessoas com
pouca capacidade de gerir em consenso com a sociedade, mas com muita capacidade
de enriquecer ilicitamente. A corrupção nas prefeituras municipais é um dos
principais fatores para o entrave do desenvolvimento no semiárido, apesar de as
organizações da sociedade civil organizada apoiar no trabalho com as
associações. Ainda falta um despertar sobre a questão do voto, ou seja, são os
velhos clãs que dominam a política local, passando de geração para geração. Há
desvios nos recursos da saúde, educação, agricultura.
Há risco de desertificação do semiárido?
O agronegócio e muitas famílias agricultoras realizam práticas como as
queimadas e o uso desenfreado de agrotóxicos, o que vem causando danos à fauna
e à flora. Já existem extensões de áreas como a do município de Gibués, no
Piauí, que estão em processo de desertificação devido ao uso inadequado do
solo. Segundo dados da Embrapa, 45% da área da vegetação da Caatinga já foi
devastada. Portanto, isso é um sinal de que boa parte do solo está descoberta e
exposta às chuvas, sol, e vento, que são os principais vetores da desertificação.
Não existem programas ou políticas públicas voltadas para a revitalização de
rios e riachos, nem de reflorestamento. Esses investimentos custam caro para
serem realizados, mas é necessário avançar nos trabalhos educativos no sentindo
da preservação, pois no campo jurídico existe uma boa legislação de preservação
ambiental, mas não há punição.
Como a agroecologia tem sido desenvolvida no semiárido? Em que medida ela
contribui para o desenvolvimento humano e sustentável de famílias agricultoras
do semiárido brasileiro?
A agroecologia é um movimento crescente que precisa de mais apoio
governamental, no sentindo da implementação da Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural, para que os técnico/as possam apoiar as famílias
campesinas em relação a uma agricultura menos danosa e mais autossustentável.
Quando se discute agroecologia, a família tem que estar envolvida, valorizando
o papel e conhecimento dos jovens, das mulheres e dos homens, considerando
também o conhecimento do técnico, pois é nesse intercâmbio de informações que
se processa um novo conhecimento, em que o agroecossistema é visto de forma
sistêmica, e que todos os sistemas de criação de animais, cultivos, frutíferas,
hortaliças se integram através da biodiversidade, onde cada sistema auxilia o
outro. A agroecologia já tem suas raízes fincadas no semiárido, com processos
construídos com as famílias, processos esses sistematizados e socializados para
as mídias televisivas, radiofônicas, blogs, redes de organizações. Até o
governo está começando a se interessar.
Em que consiste a proposta de implantar sistemas agroflorestais como
alternativa sustentável de produção no semiárido?
O sistema agroflorestal é uma das propostas das entidades que desenvolvem o
trabalho com a agroecologia. É uma forma de cultivo diversificado, em que
mantém árvores nativas, e se faz podas para que a luz possa entrar e, assim, se
possam cultivar frutíferas, hortaliças, plantas medicinais, roçados, capins,
enfim, plantas que possuem simbiose e que possam estar no mesmo espaço. Nesses
sistemas, o solo fica protegido e mais nutrido, as famílias ampliam a
diversidade de alimentos para o consumo e para os animais. Nessa forma de
cultivo não se utiliza queimadas, e é abolido o uso de agrotóxicos. As famílias
também desenvolvem os quintais produtivos, onde cultivam ao redor da casa e
complementam a produção e a geração de renda.
Qual a importância da Caatinga na preservação do semiárido brasileiro?
A Caatinga é um dos biomas mais complexos e ricos do mundo, há uma biodiversidade
de plantas e animais que só existem no Brasil. Se bem manejada, a Caatinga
fornece alimento para as famílias e para os animais, é uma fonte enorme de
estudos para a medicina, onde se disponibilizam princípios ativos de plantas
exclusivas para elaboração de remédios. Além da beleza e da capacidade de
regeneração quando ocorrem as primeiras chuvas.
Quais são as principais reivindicações da Declaração do Semiárido, formulada
durante a 1ª Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga?
Em Fortaleza, representantes de mais de 300 organizações governamentais e não
governamentais discutiram e aprovaram a Declaração do Semiárido, durante a 1ª
Conferência Regional de Desenvolvimento Sustentável do Bioma Caatinga. O
documento apresenta uma série de compromissos e algumas reivindicações
importantes, como a inclusão do bioma Caatinga como patrimônio nacional e a
aprovação no Congresso Nacional da Política Nacional de Combate e Prevenção à
Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca. A Declaração foi apresentada
nos eventos paralelos da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável - Rio+20. Uma das principais bandeiras é a universalização do
acesso à água. Entre as ações pontuadas no documento estão o incentivo à implantação
de sistemas agroflorestais como alternativa sustentável de produção, a
priorização da agricultura familiar sustentável e o fomento a linhas de crédito
oficiais para atividades sustentáveis na Caatinga